# FGV - CPDOC

Astrojildo Pereira
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_astrojildopereira.htm

Astrojildo Pereira Duarte Silva nasceu em Rio Bonito (RJ), em 1890.
Ainda jovem iniciou sua militância em organizações operárias de orientação anarquista, tendo sido um dos promotores, em 1913, do II Congresso Operário Brasileiro. Foi também na imprensa operária que se iniciou no jornalismo, atividade a que se dedicaria durante a maior parte de sua vida. No final de 1918, participou dos preparativos de uma frustrada insurreição anarquista e, por conta disso, foi preso. Solto em 1919, começou a afastar-se do anarquismo e a defender os rumos tomados pela Revolução Russa.

Em março de 1922, participou do congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) e foi eleito secretário-geral da organização. Em 1924, fez sua primeira viagem à União Soviética. No ano seguinte, quando o PCB iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, tornou-se, ao lado de Otávio Brandão, um de seus principais redatores. Em 1927, encarregado pela direção do partido de buscar contato com Luís Carlos Prestes, então exilado na Bolívia, entregou ao líder tenentista diversos volumes de literatura marxista. Em 1928, passou a fazer parte do comitê executivo da Internacional Comunista, eleito no VI Congresso da entidade realizado em Moscou.
Entre fevereiro de 1929 e janeiro de 1930 viveu em Moscou, de onde voltou com a orientação de proletarizar o PCB, ou seja, de promover a substituição dos intelectuais na direção do partido por operários. Em novembro de 1930, acabou sendo atingido, ele próprio, pelo processo de proletarização e foi afastado da secretaria-geral do partido. No ano seguinte, após breve período de atuação junto ao Comitê Regional de São Paulo, desligou-se do PCB.

A partir de então, dedicou-se durante muitos anos aos negócios particulares herdados do pai e, já como crítico literário reconhecido, colaborou no jornal carioca Diário de Notícias e na revista Diretrizes. Em 1944, publicou Interpretações, obra em que reunia estudos sobre literatura, com destaque para o artigo "Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado".

Em 1945, foi delegado do Estado do Rio ao I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, e um dos redatores da declaração de princípios do encontro, marcada por críticas à ditadura de Vargas. Ainda em 1945, retornou ao PCB e passou a colaborar intensamente com a imprensa partidária. Dirigiu as revistas Literatura, Problemas da Paz e do Socialismo e Estudos Sociais, e colaborou com o jornal Imprensa Popular e com a revista Novos Rumos.

Em outubro de 1964, foi preso em decorrência do golpe militar e permaneceu na prisão por três meses, já em estado de saúde precário.

Morreu no Rio de Janeiro, em 1965.

[Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001. 5v. il. (1. ed. 1984)]

# NoTíCiAs @ 2008 # J. R.GUEDES de OLIVEIRA











***** MÉRITO DE TRABALHO
# José Roberto Guedes de Oliveira
O ensaísta, biógrafo e historiador J. R. Guedes de Oliveira, de Indaiatuba, SP, acaba de ser contemplado com o " Prêmio Emílio Castelar", pelo conjunto de suas obras literárias, pela sua defesa dos direitos humanos e meio ambiente e pela sua atuação voluntária no Instituto Brasileiro de Fluência - IBF (que cuida dos portadores da gagueira). A outorga lhe foi concedida pela Fundación Vida - Grupo Ecológico Verde, da Espanha, como " Personalidade Destacada em 2008 ", sendo, pois, o primeiro brasileiro a ser conferido com o importante prêmio. A Festa de entrega do Prêmio, foi realizada no dia 05/12/2008, em Madrid, por ocasião da realização do
" Congresso sobre Racismo e Discriminação - Abolição da Escravatura e seu Tráfico". No evento o homenageado fez a abertura com a sua conferência sobre este tema, enfatizando questões de discriminação, intolerância, escravatura e racismo na história e na sociedade atual.

Visite DM Rio Cultural

@ A ÚLTIMA VISITA

Curta sobre última noite de Machado de Assis será exibido na ABL

JB Online

RIO - A última visita, novo curta-metragem de Zelito Viana, com direção de fotografia de Walter Carvalho, terá pré-estréia nesta quinta-feira, dia 27 de novembro, às 19 horas, no auditório da Academia Brasileira de Letras, no Rio.

O filme é baseado na história de Astrojildo Pereira Duarte, um jovem de apenas 17 anos, que, na noite de 28 de setembro de 1908, compareceu a um encontro não marcado.
Seu destino era uma casa no Cosme Velho para conhecer pessoalmente o dono, Machado de Assis, que morreria poucas horas depois.

O "anônimo juvenil", assim batizado por Euclides da Cunha em uma de suas crônicas, se tornaria mais tarde um intelectual, fundador do Partido Comunista do Brasil.

Primeiro curta-metragem de ficção assinado por Zelito Viana, A última visita, com aproximadamente sete minutos, traz na direção de arte Alexandre Meyer. A caracterização de Marcos Palmeira como Euclides da Cunha ficou por conta de Jabono,maquiador do Rio Grande do Sul. As filmagens foram realizadas na própria Academia Brasileira de Letras.

JB 24/11/2008

@ Vídeo FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA

# FAP Fundação Astrojildo Pereira
" Brasileiros Militantes "

@ Vídeo Entrevista FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA

Entrevista com o diretor da Fundação Astrojildo Pereira,
Francisco Almeida, no Fórum da Juventude Popular Socialista

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA











ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA



ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA





ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA




















* Galeria @ INEZ DIAS PEREIRA ( esposa )





ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA







ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* Galeria @ ASTROJILDO PEREIRA












ASTROJILDO PEREIRA
Fotos Pesquisa de JOSÉ ROBERTO GUEDES DE OLIVEIRA

* minha avó MARIA FRANCISCA PEREIRA MARINHO , Medalha UPPE



MARIA FRANCISCA PEREIRA MARINHO ( 1909 - 1998 )

O entusiasmo de Maria Francisca Pereira Marinho, com 36 anos na época, contagiou as demais professoras que se reuniram numa tarde de agosto de 1945, na tentativa de serem recebidas no Palácio do Ingá, Sede do Governo Intervencionista que representava a ditadura do Presidente Getúlio Vargas.O descaso dos governantes de então, não tão diferentes dos de hoje, quando se trata de atender reivindicações de professoras para obtenção de melhorias de condições de trabalho, foi flagante, consta de relatos da época. Mas a professora MARIA FRANCISCA PEREIRA MARINHO não se arrefeceu e , ali mesmo, na porta do Palácio do Governo, para onde tinha conduzido os 150 colegas, vindos de toda parte do Estado do Rio, discursou inflamadamente sobre a premente importância da criação de uma entidade representativa da categoria ...A proposta foi adiante e no dia 8 de setembro 1945, durante reunião, realizada no Club dos Funcionários " com membros do magistério, com o objetivo de tratar exclusivamente dos interesses da classe ". como consta da Ata de fundação da Entidade. Como seria natural MARIA FRANCISCA, a primeira Presidente da Entidade " Partido da Educação ", defendendo a bandeira de todos os professores

MARIA FRANCISCA, que colocou todo o conhecimento político , adquirido através da conceituada família, cujos membros tinham tradição na política de Democratização do Brasil... merecidamente, dá nome ao Prêmio
( UPPE Medalha Maria Francisca Pereira Marinho )

* IVAN ALVES FILHO Agenda FAP

http://www.fundacaoastrojildo.org.br/index.asp?opcao=mostra_noticia&id=8190
PPS filia D. Norma Pereira Dias e Délcio Marinho"Eu nasci na casa onde foi fundado o Partido Comunista". Quem costuma dizer essa frase é Norma Pereira Dias, sobrinha de Astrojildo Pereira, o fundador do PCB, em março de 1922, em Niterói. Como se isso não bastasse, D. Norma - uma antiga campeã de voleibol pelo Flamengo - resolveu ingressar no Partido Popular Socialista, agremiação originária do PCB criado por seu tio Astrojildo. E o fez em grande estilo: em um domingo de sol, no Rio de Janeiro, ninguém menos do que Roberto Freire, Presidente do PPS, assinou sua ficha de filiação ao Partido, assim como aquela de Délcio Marinho, sobrinho-neto do velho Astrojildo. É a tal história: os bons filhos à casa tornam... Norma Pereira Dias foi recebida por Roberto Freire e a mulher, Mariza, para um café da manhã em um hotel localizado no Posto Seis, em Copacabana. Figura humana extremamente afável, D. Norminha, como é mais conhecida, acompanhou em seguida a passeata que o seu Partido promoveu em torno de Fernando Gabeira, candidato da coligação PV-PSD-PPS à Prefeitura do Rio de Janeiro. E ficou encantada com o que viu, realçando o entusiasmo das pessoas presentes. Outra prima sua, D. Daily Marinho, também sobrinha de Astrojildo Pereira, demonstrou vontade igualmente de aderir ao Partido, confessando sua "grande admiração por Roberto Freire". D. Norminha pretende contribuir, em particular, para a lutas das mulheres organizadas dentro do Partido. Já o sobrinho Délcio Marinho, que é artista, revelou que buscará se aproximar do trabalho da Fundação Astrojildo Pereira, o braço cultural do PPS. Délcio lembrou que "pertencera ao Instituto Astrojildo Pereira nos anos 80, quando o PCB veio para a legalidade". E é preciso dizer que D. Norminha teve uma participação decisiva no documentário A casa de Astrojildo, produzido pela Fundação Astrojildo Pereira em homenagem ao grande revolucionário e crítico literário. O filme foi dirigido por Ivan Alves Filho, também presente ao encontro, assim como sua mulher, Elaine. Roberto Freire comemorou as duas filiações, "até pelo seu caráter simbólico". "Para nós", disse ele, "a herança de Astrojildo Pereira é sempre muito querida e seus familiares são também um patrimônio nosso".

* ASTROJILDO PEREIRA fotos

* O comunista que beijou Machado

Sérgio Augusto

http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=87

Em 1964, a casa de nº 11 da rua do Bispo, no Rio Comprido, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, foi invadida e saqueada pela polícia. Ali morava um perigoso subversivo chamado Astrojildo Pereira Duarte Silva, de 74 anos e armado de livros até o teto. De quê o acusavam? De haver conspirado para derrubar o governo. Não o que acabara de derrubar João Goulart, mas o que nos governara cinco décadas antes, quando aquele pacato senhor tinha apenas 28 anos e fazia parte de um grupo anarquista, liderado pelo professor José Oiticica. A prisão de Astrojildo Pereira mobilizou jornalistas, escritores e artistas, todos preocupados com o seu coração, avariado, meses antes, por um enfarte. Já estávamos em 1965 quando outro enfarte, daquela vez fatal, desfalcou as hostes comunistas de seu mais respeitável crítico literário. Seu enterro, coroado com um discurso de Otto Maria Carpeaux, foi num cemitério de Niterói—a mesma cidade de onde, 56 anos antes, Astrojildo saíra do anonimato para a história da literatura. 28 de setembro de 1908. Um jovem de quase 18 anos pega a barca da Cantareira rumo à Praça XV, do outro lado da baía de Guanabara. Nem seus pais sabiam que ele pretendia visitar Machado de Assis no leito de morte. Tenso, Astrojildo bateu à porta do casarão do Cosme Velho, identificou-se apenas como “um grande admirador do escritor” e implorou para que o deixassem entrar e ver o mestre de perto. Em vigília na sala de estar, Euclides da Cunha, Coelho Neto, José Veríssimo, Raimundo Corrêa, Graça Aranha e Rodrigo Otávio manifestaram-se contra a entrada do rapaz desconhecido. Acordado pelo burburinho, Machado permitiu que Astrojildo entrasse em seu quarto, ajoelhasse ao lado da cama e lhe beijasse a mão, partindo logo depois sem se identificar. O escritor morreria na madrugada seguinte. “Naquele meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra”, escreveu Euclides da Cunha, num célebre artigo intitulado “A última visita”, publicado no Jornal do Commercio, dois dias depois da morte do escritor. “Qualquer que seja o destino desta criança”, vaticinou, “ela nunca mais subirá tanto na vida”. Durante quase 30 anos Astrojildo moitou sobre a identidade da “última visita” de Machado, afinal revelada por Lúcia Miguel Pereira em 1936. Àquela altura, ele já era um nome bem conhecido, junto às esquerdas principalmente. Fazia então quatro anos que o Partido Comunista o afastara de seus quadros, por considerá-lo um “intelectual pequeno-burguês” e “oportunista”. Além do mais, prestista. Foi por seu intermédio que o tenente Luís Carlos Prestes, exilado na Bolívia, teve acesso aos primeiros clássicos do marxismo-leninismo. Três paixões Astrojildo teve na vida. As duas maiores, por ordem de entrada em cena, foram Machado (a quem dedicou, em 1959, um precioso estudo sociológico, reeditado pela Oficina de Livros de Belo Horizonte) e o comunismo. A terceira, marcante mas passageira, foi Ruy Barbosa. Para o rapazola de Rio Bonito que acompanhava de Niterói a cosmopolitização do Rio, Machado e Ruy eram os dois símbolos máximos da modernização da velha capital, seu ponto de encontro com o nacional e o internacional, o fascínio e o desencanto, a elegância e a brutalidade, a utopia republicana e a luta de classes, a vida literária e as festas populares, “tudo em contraditória tensão, sem a qual não se pode compreender a origem do revolucionário”, para usar as palavras de Martin Cesar Feijó em O Revolucionário Cordial, biografia intelectual e política de Astrojildo que Boitempo Editorial veio a lançar. Feijó já escrevera, na década de 80, um ensaio sobre a formação política de Astrojildo, agora expandido e aprofundado nessa obra francamente empenhada em caracterizar o mestre informal de Prestes como um sujeito de boa alma, afável, honesto e tolerante, utilizando-se da terminologia consagrada por Sergio Buarque de Holanda, que aliás conheceu Astrojildo em 1929, em Berlim. Para sua surpresa, em vez de um “bolchevique inflexível”, encontrou “um homem refinado e de excelente formação literária”. Intelectuais tão díspares quanto Carpeaux, Gilberto Freyre, Oswald de Andrade e Antonio Candido passaram pela mesma surpresa. Até o ferrenho anticomunista Nelson Rodrigues reverenciava a figura e a opinião de Astrojildo. Autodidata desde a adolescência, o “revolucionário cordial” nem concluiu o curso ginasial. Como tantos jovens da sua geração, foi civilista, anarquista, e antes mesmo de desviar para o comunismo, em 1921, já não via com bons olhos o Águia de Haia. Quando este morreu, em 1923, foi todo ironia: “O proletariado não perdeu nada com isso, antes pelo contrário”. Mas a Machado e ao comunismo permaneceu fiel a vida inteira. Um dos fundadores do PC, em 1922, Astrojildo visitou a Rússia soviética em 1924 (encantou-se com os funerais de Lenin, a força do rublo e a quantidade de livrarias em Moscou), fundou A Classe Operária, a mais duradoura publicação do partido, mas não escapou ao furacão obreirista que, a partir de setembro de 1929, começou a devastar os PCs da América Latina. Patrulhado pelos artigos que vez por outra enviava para publicações consideradas “burguesas”, como a Revista Nova (que tinha Mario de Andrade em seu quadro de colaboradores), “pequeno-burguesas”, como O Homem do Povo (editada por Oswald de Andrade e Pagu), e “fascistas”, como O Tempo (de Miguel Costa), e até por sua amizade com Di Cavalcanti, seu companheiro de pensão, Astrojildo viu-se forçado a ser revolucionário à sua moda, sem se curvar aos ditames partidários e ao dogmatismo estético dos marxistas de meia-tigela . “Os camaradas devem saber que disciplina não significa aviltamento”, declarou para quem quisesse ouvir e enfiar a carapuça. Seu afastamento do Partidão livrou-o de qualquer envolvimento com a insana revolta de 1935, vulgarmente conhecida como Intentona Comunista. Como não conseguia viver exclusivamente dos ensaios que produzia para a imprensa dita burguesa, dedicou-se, por uns tempos, ao comércio de frutas, na capital paulista, onde morou até o fim da guerra. Voltaria ao PC em 1945, quando se candidatou, sem sucesso, à Câmara dos Vereadores. Seus principais cabos eleitorais, Carpeaux e Graciliano Ramos, tinham muitas virtudes, mas eram duas nulidades em matéria de marketing político. Astrojildo publicara recentemente seu primeiro livro de ensaios literários, Interpretações, com uma fina análise das obras de Machado e três outros fundamentais romancistas do Rio: Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo e Lima Barreto. Um comunista com a intransigência ideológica de um Octávio Brandão, por exemplo, jamais reconheceria no autor de A Moreninha um “intérprete autorizado dos nossos sentimentos”, “um cronista meticuloso e fidedigno de nossa vida social nos meados do século XIX”, como fez Astrojildo. A comparação com o mais importante teórico marxista dos primórdios do PC foi intencional. Rival e desafeto de Astrojildo, Brandão não perdia uma oportunidade de desqualificá-lo como “pequeno-burguês liberal e confusionista”, “anarquista exasperado e desesperado”, e coisas piores. Qualquer dúvida, basta consultar Combates e Batalhas: Memórias, editado em 1978 pela Alfa-Ômega.Brandão, cuja postura crítica teria horrorizado o próprio Karl Marx, que se deliciava com a ficção de Walter Scott, Balzac e Eugène Sue, abominava Machado de Assis, contra quem investiu com fúria desmedida e a tradicional miopia analítica dos zumbis ideológicos. Para ele, Machado “deveria ter continuado e desenvolvido o romantismo heróico de Castro Alves”.
Assim, seus livros, “grosseiros”, “decadentes”, “comodistas”, talvez deixassem de ser “enfadonhos”, “criações equivocadas” de um espírito “burguês”, “retrógrado” e “niilista”. Quando sua diatribe O Niilista Machado de Assis (Organização Simões Editora, 206 págs.) chegou às livrarias, em 1958, Carpeaux não deixou pedra sobre pedra, culminando por compará-la àquilo que os pássaros costumam despejar sobre as estátuas. Dênis de Moraes já nos dera conta da difícil convivência de Astrojildo e outros com o sectarismo de certos membros do Partidão, em O Imaginário Vigiado (José Olympio, 1995), sobretudo no auge do stalinismo. Feijó amplia o quadro, descendo a minúcias que só antigos integrantes do PC ou experts em Astrojildo, como José Paulo Netto, Leandro Konder e Heitor Ferreira Lima, talvez conheçam. Nos seus últimos 19 anos de vida e atividade partidária, a “última visita” de Machado de Assis limitou-se, praticamente, a participar de eventos culturais, palestras, organizar publicações e escrever artigos. Acabara de lançar, pela Civilização Brasileira, uma coletânea de ensaios, Crítica Impura (Autores e Problemas), e editava a revista cultural Estudos Sociais, quando os militares deram o golpe em 1964. Segundo Feijó, Astrojildo “morreu convencido de que o partido sempre acertava, até quando errava”, pois acreditava que “era melhor errar coletivamente do que acertar individualmente”. Cordial, sim, herético, jamais. Tanto que silenciou sobre os expurgos stalinistas e relativizou a intrínseca mediocridade do realismo socialista, admitindo sua validade “quando aplicada acertadamente, sem interferir na liberdade de criação”. Ou seja, também errou individualmente. Mas, como dizia o Boca Larga, ninguém é perfeito.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, a 6 de outubro de 2001.

* Ele foi o principal fundador do Partido Comunista do Brasil e o primeiro intelectual marxista brasileiro

Astrojildo Pereira (1890-1965)
http://www.vermelho.org.br/museu/principios/anteriores.asp?edicao=81&cod_not=1009

Ele foi o principal fundador do Partido Comunista do Brasil e o primeiro intelectual marxista brasileiro

Marcos Del Roio

A trajetória de Astrojildo Pereira coincide com o nascimento e a formação da modernidade capitalista no Brasil. Ele nasceu depois do fim do escravismo e da monarquia e morreu logo após a instalação da ditadura militar que consolidaria a ordem burguesa no Brasil. Durante toda a sua vida Astrojildo Pereira preservou a lucidez de se manter ao lado e na perspectiva do que havia de mais progressivo na vida social e cultural do País. Desde cedo percebeu que a classe operária e os trabalhadores ofereciam a seiva mais fértil e saudável da nossa vida social.
O espírito de rebeldia levou-o a abandonar os estudos formais aos 16 anos de idade, quando começou sua militância anarquista, em oposição à fé religiosa difundida pela Igreja e contra o militarismo, estimulado, talvez, pelas greves operárias de 1906. Sob o impacto da revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro e pela execução do pedagogo anarquista Francisco Ferrer, na Espanha, Astrojildo fez uma curta viagem à Europa — que lhe serviu para amadurecer suas convicções de antagonismo à ordem social. Como gráfico e jornalista, ele passou a ser um militante e organizador do movimento operário da vertente anarco-sindicalista, tendo participado ativamente de várias publicações de oposição à ordem liberal oligárquica e à guerra imperialista.
Astrojildo Pereira viveu intensamente o apogeu e a crise da primeira marcante irrupção do movimento operário na cena política do país, quando os trabalhadores urbanos se expressaram como classe, entre 1917 e 1920. A rebelião do trabalho no Brasil foi apenas uma limitada faceta de um movimento universal, cujo ápice esteve na revolução socialista eclodida na Rússia. As dificuldades no encaminhamento da luta de classe contra a ordem liberal oligárquica — que acabaram na derrota do movimento — e o impacto da Revolução Russa de 1917 provocaram uma cisão no seio da vanguarda operária. O último esforço para a preservação da unidade foi feito no III Congresso Operário do Brasil, em abril de 1920 — havia divergências entre aqueles que, por um lado, entendiam que a derrota se devia à falta de centralização da organização da luta, cuja solução seria a formação de um partido operário e que o desenvolvimento da revolução russa deveria continuar sendo apoiado e aqueles que, por outro, continuavam a defender as formas dispersas de organização e que a revolução russa havia regredido, não devendo mais ser apoiada.
Entre 1919 e 1924, Astrojildo Pereira dedicou-se ao esforço de organização de um partido comunista no Brasil. A primeira tentativa de sua fundação ocorreu na seqüência da criação da Internacional Comunista, em março de 1919, com relativo e escasso sucesso. Diante da inevitável cisão da direção da COB (Confederação Operária Brasileira), Astrojildo Pereira passou a organizar o grupo que entendia ser necessária a criação de um novo instrumento de luta e o estabelecimento de um sólido vínculo internacional. Assim, tendo fundado o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1921, buscou aglutinar outros grupos análogos que iam surgindo pelo país até que, em 25 de março de 1922, foi oficialmente fundado o PCB (Partido Comunista Brasileiro). No entanto, o reconhecimento oficial por parte da IC só viria em 1924.
A partir de então Astrojildo Pereira empenha-se na configuração de um grupo dirigente do neonascente partido operário, que desenvolvesse uma política voltada para a reconstrução da unidade da classe operária, para o estabelecimento de alianças políticas com outros setores oprimidos da ordem liberal e para a formulação de uma teoria da revolução. Ao cabo de cinco anos, em torno de meados de 1929, com a estreita colaboração de Otávio Brandão, Paulo de Lacerda e Cristiano Cordeiro, entre outros, Astrojildo Pereira havia delineado um grupo dirigente do movimento operário, em nova fase ascendente, assim como uma teoria da revolução brasileira que vislumbrava no latifúndio e no imperialismo os inimigos principais da classe operária, no campesinato e na pequena burguesia urbana (e seus intelectuais) os seus aliados. A questão agrária e a questão nacional seriam, assim, o fulcro da revolução democrática no Brasil.
Esse trajeto não foi feito sem dificuldades, tendo encontrado uma oposição no interior do partido, que depois daria origem tanto à vertente stalinista quanto à trotskista do comunismo brasileiro. A repressão desencadeada pelo agonizante Estado liberal oligárquico e a intervenção da IC — agora sob controle o grupo de Stalin — desarticularam esse primeiro grupo dirigente do partido operário no Brasil. Astrojildo Pereira e Otávio Brandão, os dois principais dirigentes do PCB, foram afastados. Enquanto o primeiro se recolhe por algum tempo para refletir e estudar, o segundo é banido pelo novo regime instaurado em 1930, tendo se exilado na URSS. Ao contrário do que se pensa, ambos continuaram, sob outras formas e vestes, a militar no movimento comunista. Otávio Brandão falou muitas vezes pelo PCB em Moscou e Astrojildo Pereira por meio de seus escritos seguiu travando a luta em defesa da causa operária.Contudo, a partir de meados de 1934, quando o movimento operário começou uma nova ascensão e a resistência antifascista passou a se difundir na intelectualidade, Astrojildo Pereira se deu conta de que a política que havia concebido antes de 1930 voltava a se manifestar na Aliança Nacional Libertadora, embora numa situação de todo nova.
Mesmo com a derrota da ANL e com a subseqüente instauração do Estado Novo, Astrojildo cumpriu um papel de suma importância na organização da cultura e da intelectualidade antifascista e democrática do Brasil, defendendo os princípios da liberdade de expressão e de organização e a necessidade de difusão da cultura entre as massas trabalhadoras. Formalmente aceito às fileiras do PCB, ele persistiu se ocupando daquilo que mais gostava: a organização dos intelectuais e a procura das raízes nacional-populares da cultura brasileira. O instrumento de trabalho foi a revista Literatura.
A colocação do PCB na ilegalidade e a nova orientação política que estreitava sobremaneira as alianças políticas, particularmente no campo da cultura, romperam as relações arduamente urdidas por Astrojildo Pereira. Somente depois do forte impacto do XX Congresso do PCUS (1956) ele retorna ao efetivo fio condutor da sua trajetória intelectual. Novamente busca amparo e inspiração em Machado de Assis na busca do nacional-popular, do respaldo cultural necessário para a revolução nacional e democrática que se auspiciava. O último grande empreendimento foi a revista Estudos Sociais, voltada precisamente para a aglutinação de jovens intelectuais decididamente interessados no conhecimento, no estudo e na transformação da realidade brasileira. Com a instauração da ditadura militar, em 1964, e a repressão política e cultural que se seguiu, Astrojildo Pereira foi preso e viu ruir muitos dos seus melhores projetos e sonhos. A morte o colheu em novembro de 1965. Foi somente na fase declinante da ditadura militar que seu nome começou a receber o devido reconhecimento, não só como o principal fundador do Partido Comunista no Brasil, mas também como o primeiro marxista e leninista e um intelectual ativo na organização do mundo da cultura que ofereceu preciosos indicativos de interpretação e pesquisa.

Marcos Del Roio é professor de Ciências Políticas, FFC-Unesp/Marília

* MARXISTS INTERNET ARCHIVE


http://www.marxists.org/portugues/astrojildo/index.htm
Astrojildo Pereira Duarte Silva
1890-1965
Iniciou a militância política em organizações operárias anarquistas. Em 1913 promoveu o II Congresso Operário Brasileiro. Em 1918 participou de um frustada insurreição anarquista, foi preso sendo solto no ano seguinte. Em 1922 participou da fundação do Partido Comunista do Brasil - PCB, sendo eleito Secretário Geral do partido.
Em 1928, durante o VI Congresso da Internacional Comunista, foi eleito para o seu Comitê Executivo. Viveu na Rússia entre 1929 e 1930, retornou ao Brasil com a missão de "proletarizar" o PCB. Em novembro de 1930 foi afastado da Secretaria Geral do Partido. Em 1931 pediu desfiliação do PCB e passou a dedicar-se à profissão de jornalista (crítico literário). Retornou ao PCB em 1945 passando a colaborar com as publicações do Partido.

Atualmente estão disponíveis em Português as seguintes obras:

1917 - Jul
A Revolução Russa

1918 - Mar
A Revolução Russa e a Imprensa

1918 - Jun
O Juizo Final

1922 - Mar
Não Nos Assustemos Com o Debate

1922 - Mai
Viva a Rússia dos Sovietes

1922 - Nov
1917 — 7 de Novembro — 1922

* Bananeiras – Astrojildo esbofa-se - Plantai-a às centenas, às mil: Musa paradisíaca, a única Que dá dinheiro neste Brasil.

Astrojildo Pereira e as origens do marxismo brasileiro
Gleyton Trindade - http://www.ptceara.org.br/artigos/texto.asp?id=364

Bananeiras – Astrojildo esbofa-se - Plantai-a às centenas, às mil: Musa paradisíaca, a única Que dá dinheiro neste Brasil.
Este pequeno poema foi escrito por Manuel Bandeira e dedicado ao então amigo e antigo dirigente comunista Astrojildo Pereira. Nele, capta-se a realidade do intelectual afastado do PCB na década de 30, isolado intelectualmente pelo partido para o qual só teria permissão de retornar após a Segunda Guerra e que sobreviveu neste período do comércio de bananas numa quitanda do Rio de Janeiro. Astrojildo Pereira foi daqueles homens cuja trajetória política e intelectual sintetizam o seu tempo. E seu tempo não foi pouco, tempo de intensas agitações políticas que deram origem a própria esquerda brasileira.

O militante anarquista das mobilizações de 1917 se tornaria um dos marxistas responsáveis pela fundação do PCB em 1922, partido do qual seria secretário-geral até 1929. Intelectual autodidata faria da escrita uma das principais formas de expressão das idéias e valores de uma esquerda então apenas tateante no país. Como crítico e militante, Astrojildo Pereira foi dos primeiros a colocar o marxismo nos debates e opinião pública nacionais, a apontar para uma sensibilidade política então desconhecida no país. Tanto em sua historia política pessoal quanto em sua descontinua obra estão expressos páginas importantes do marxismo brasileiro. De fato, os escritos de Astrojildo Pereira resumem-se a poucos livros, textos esparsos dedicados à maioria deles as análises de conjuntura e nunca a uma interpretação sistemática da trajetória política e histórica do país. No entanto, nestes textos curtos e aparentemente simples revela-se a trajetória e os impasses da esquerda brasileira em seus momentos iniciais.

Além disto, Astrojildo foi reconhecidamente figura de relevância cultural em seu tempo. O jovem que emocionou Euclides da Cunha ao visitar Machado de Assis em seu leito de morte, foi o homem que apresentou o marxismo a Luís Carlos Prestes e circulou nos meios intelectuais mais importantes de sua época: foi citado por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala e posteriormente entrevistado para o livro Ordem e Progresso do mesmo autor; manteve contato direto com os principais nomes do movimento Modernista; seu circulo de amizades contou com nomes como Lima Barreto, Otto Maria Carpeaux, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Nelson Werneck Sodré, Cândido Portinari. Neste sentido, a atuação intelectual de Astrojildo Pereira se dividiria em dois grandes projetos: a paixão pela crítica literária, em especial pela obra de Machado de Assis e o marxismo como forma de expressão política diante da realidade brasileira.

Machado de Assis na cultura brasileira
Astrojildo Pereira foi um admirador incondicional de Machado de Assis, considerado por ele o maior escritor da literatura brasileira e para quem dedicou a maior parte de sua crítica literária. Esta admiração ao mestre de Cosme Velho deriva, em grande medida, do fato de que, no plano da cultura, ninguém conseguiu construir uma obra tão nacional e, ao mesmo tempo, tão universal. É o próprio Astrojildo, escrevendo na década de 30, quem diz "que Machado de Assis é o mais universal dos nossos escritores; restou que falta acentuar com igual insistência que ele é também o mais nacional, o mais brasileiro de todos". Ou seja, Machado "é tanto mais nacional quanto mais universal e tanto mais universal quanto mais nacional".

Machado de Assis poderia ser situado num movimento de renovação cultural do país ocorrido entre as décadas de 1870 e 1880 marcado pelo desenvolvimento de novas escolas e universidades, mas principalmente pela produção de obras de personalidades da alta cultura brasileira. Tal movimento seria caracterizado pelo espírito crítico empenhado em superar antigas concepções e traçar novos rumos para a inteligência nacional. Neste sentido, o esforço desta geração crítica, particularmente atuante no campo da literatura, teria como objetivo principal pensar a literatura "do ponto de vista nacional". Segundo Astrojildo, este período e esta geração teriam assinalado o momento de passagem daquilo que seria um "instinto de nacionalidade" para a reflexão mais elevada de uma "consciência de nacionalidade" ainda em ascensão. Machado de Assis poderia então ser situado neste contexto como aquele que expressaria no mais alto grau esta "consciência de nacionalidade". De certa maneira, estaria em sua obra a culminância do trabalho desta geração para a qual o problema da construção de um pensamento nacional se colocava como questão imediata. A consciência da nacionalidade, explicaria Machado, envolveria uma revalorização dos clássicos de forma a extrair deles aquelas formas que "á força de velhas se fazem novas". Clássicos estes através dos quais se pudesse estabelecer uma expressão brasileira para a língua portuguesa, ou seja, uma linguagem comum que pudesse nacionalizar a maneira de exprimir-se a língua portuguesa usada no Brasil. Desta forma, Machado de Assis apelaria para a construção de uma linguagem comum como fator de integridade e unidade chegando à percepção de que "o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço".

Foi por ter se constituído como o mais universal de nossos autores que Machado de Assis se tornou também o "mais agudo analista de nossa psicologia social". De acordo com Astrojildo, se conciliam na obra machadiana a destreza do ficcionista e a frieza do analista. Além do mais, Machado não seria um homem alheio a seu tempo; tempo de agitações e mudanças políticas e sociais tanto no país quanto no mundo. Sua obra refletiria também estas mudanças e este cenário político privilegiado, marcado, sobretudo, pelo Segundo Reinado e princípio da experiência republicana brasileira.

Neste sentido, Astrojildo procurar negar as teses do "absenteísmo" da obra machadiana. Se é correto afirmar que o homem Machado de Assis nunca se envolveu diretamente como militante nas campanhas de seu tempo, especialmente a abolicionista e a republicana, não o seria afirmar que sua obra passaria à margem destes temas. Lembra Astrojildo que o escritor atuou muitos anos como jornalista político nos jornais cariocas. O impacto deste envolvimento como jornalista se faria sentir em sua literatura de forma sutil e na maior parte das vezes alegórica, mas possivelmente discerníveis para o crítico. Neste aspecto, o militante intelectual Astrojildo Pereira, marginalizado pelo "obreirismo" predominante numa fase do PCB, procura refletir sobre o papel político do escritor. Embora Machado de Assis não tivesse diretamente atuado como militante político, a política teria se constituído quase como uma obsessão em sua literatura através da qual o ficcionista dava margem às suas reflexões sobre os acontecimentos de seu tempo. Assim, se em diversos momentos da obra machadiana o autor confessasse sua aversão à política, isto não significaria que não possuísse uma sensibilidade refinada das coisas públicas. Como assinala Astrojildo sobre o escritor, "o humorismo era seu método, a ironia a sua arma, a sátira a sua forma de crítica e política social".

Nesta perspectiva, como analista e crítico de sua época, a obra machadiana chamaria a atenção para dois temas relacionadas à ordem social brasileira. O primeiro seria a do "patriarcalismo" característico da formação social e familiar brasileira, ainda fortemente presente, mas lentamente abalado pelo processo de modernização da sociedade verificado neste momento de passagem do Segundo Reinado para a República. O elemento patriarcalista de nossa formação se verificaria principalmente na submissão da mulher nas relações familiares, mas também na afirmação das hierarquias sociais. Na obra machadiana Astrojildo perceberia as mudanças na sociedade brasileira através das observações feitas pelo escritor a respeito do casamento, transitando do puro convencionalismo em Iaiá Garcia até o papel mais ativo da mulher, típico da sociedade burguesa e dissolvente do patriarcalismo, em um Brás Cubas.

O segundo tema seria o dos horrores da escravidão. Machado de Assis não foi um panfletário da luta abolicionista, mas em sua obra as referências à escravidão são abundantes refletindo uma visão não apenas sentimental, mas uma percepção da escravidão como um "fenômeno social em seu conjunto". As contradições desta situação se mostrariam em passagens da obra machadiana como no caso do pajem de Helena, o negro Vicente, "nobre espírito de dedicação" no "corpo vil do escravo" ou no caso do liberto Prudêncio de Brás Cubas, que violentava um irmão de raça, comprado pelo próprio ex-escravo, para se "desfazer" das pancadas que havia recebido. Desta forma, Machado de Assis constituiria uma importante via de reflexão sobre as questões do país para Astrojildo Pereira.

Fundamentos do marxismo nacional
Também há nos textos do antigo militante comunista a preocupação em encontrar na formação histórica e política brasileira os fundamentos de um marxismo nacional. Concebendo-se o marxismo como uma visão ética da sociedade e da política, além de uma teoria social, o marxismo se conciliaria à realidade brasileira por sua sensibilidade aos temas fundamentais da opressiva e injusta formação social do país. Neste sentido, o marxismo se filiaria a uma tradição cultural e política nacional decisivamente empenhada em superar tais questões na trajetória política do Brasil.

Embora Astrojildo não tenha escrito uma "história do Brasil" é possível encontrar em seus textos a afirmação de que os revolucionários e radicais do país foram aqueles que se relacionaram com aquelas questões decisivas da formação social brasileira apontadas por Machado de Assis: o patriarcalismo, e, principalmente, a escravidão. Seria o caso, por exemplo, de Lopes Gama, o chamado Padre Carapuceiro que participou das insurreições de 1817 e 1824 em Pernambuco. Agitador e doutrinador político, atuou intensamente na imprensa de sua época incitando o povo a derrubada das "classes privilegiadas", "existentes em todos os países e em todos as épocas", problema que constituiria "a grande questão de todo mundo civilizado". Preocupado com o "melhoramento da sorte das classes industriosas", Lopes Gama afirmaria textualmente que "em nossos dias três homens distintos têm tentado o melhoramento das classes laboriosas, mediante a reforma da sociedade em geral: St. Simon, Fourier e Owen".

No entanto, foi o movimento abolicionista o grande momento de inflexão da história brasileira. As menções aos abolicionistas, principalmente aos seus maiores intelectuais, são marcantes nos escritos de Astrojildo. Há implicitamente uma concepção de que o marxismo brasileiro seria o herdeiro deste movimento e de suas possibilidades. A negação da escravidão, considerada eixo estruturador da sociedade brasileira sob o Império, ameaçava as próprias bases políticas e sociais do país, colocando-o numa encruzilhada onde novas trajetórias podiam ser vislumbradas. Não gratuitamente os clubes abolicionistas eram acusados pela reação conservadora de constituírem "associações comunistas". A criação deste cenário de possibilidades, de ameaça de dissolução da ordem até então existente foram os grandes méritos deste movimento na visão de Astrojildo. O abolicionismo teria cumprido no Brasil o papel de evento irradiador de novas aspirações sociais, de novas doutrinas e concepções políticas até então desconhecidas no pais, ainda que reprimidas com a implantação da República. Não gratuitamente o primeiro marxista brasileiro, no entender de Astrojildo, teria sido o abolicionista Silvério Fontes, criador do Centro Socialista de Santos, cidade, aliás, que se constituiu como talvez o mais avançado palco das lutas abolicionistas do país.
De acordo com o militante comunista, a radicalidade do abolicionismo em seu contexto poderia ser encontrado, por exemplo, no "Parecer sobre a escravidão" escrito em 1885 pelo então deputado abolicionista Rui Barbosa. O grande trabalho do "parecer", analisa Astrojildo, é historiar e desmontar todos os sofismas utilizados pelos defensores do escravismo. Contra a ficção de que os escravos viviam bem e tinham bom nível de vida, Rui Barbosa lembra nada menos que o testemunho de Darwin que, ao registrar as impressões de sua visita ao Brasil, rogara à Deus não voltar jamais a visitar novamente um país escravocrata. Contra o argumento do colapso econômico do país caso a abolição fosse aprovada, o deputado se debruça profundamente sobre a economia norte americana e a vantagem dos Estados livres do norte. As teses racistas são negadas pela consideração de que não existiriam qualquer disposição biológica explicativa de uma suposta inferioridade do negro que não a própria aviltante condição de escravo.

No entanto, o sofisma mais problemático era o da consideração do "direito sagrado e inalienável da propriedade servil". A resposta de Rui Barbosa seria a relativização da propriedade em nome dos "interesses morais e econômicos do país, o da sua reputação, o da educação do seu caráter". Daí a percepção do deputado de que a abolição seria um fato inicial a partir do qual outras reformas seriam reivindicadas como liberdade religiosa e "desenfeudação da propriedade".
De acordo com Astrojildo, os abolicionistas mais esclarecidos reconheciam, portanto, a luta contra a escravidão como uma luta também contra a estrutura de propriedade da terra no país, sendo impossível dar solução completa a um sem resolver o outro. Esta seria, por exemplo, a percepção do abolicionista André Rebouças. Sua campanha em favor daquilo que chamava de "democracia rural" exigia a solução concomitante para os dois problemas inseparáveis da escravidão e do latifúndio por meio do parcelamento dos latifúndios em pequenas propriedades atribuídas aos trabalhadores libertos. Neste sentido, a abolição de fato ocorrida teria resolvido apenas metade do problema.

Derrotada e reprimida com a chegada da República, esta tradição progressista se refugiaria na literatura até emergir novamente com a Revolta da Chibata e com a Coluna Prestes. Em Lima Barreto, por exemplo, sobreviveriam o espírito crítico, o inconformismo em relação à realidade social durante a Primeira República. Considerado por Astrojildo como o herdeiro de Machado de Assis, compareceriam em Lima Barreto temas como a crítica ao patriarcalismo da sociedade brasileira, das hierarquias sociais, da condição de submissão da mulher. Foi Lima Barreto como jornalista aquele que defendeu os movimentos grevistas de 1918 contra a difamação do governo e da polícia denunciando o absurdo da deportação dos trabalhadores estrangeiros. Foi dos primeiros a saudar a Revolução Russa compreendendo que esta viera abalar "não apenas os tronos, mas os fundamentos da nossa vilã e ávida sociedade burguesa". Combatia o latifúndio e reclamava a reforma agrária como condição indispensável ao desenvolvimento do país.
A tentativa de Astrojildo de conciliar o universalismo marxista à realidade nacional estaria na percepção de que o comunismo brasileiro seria o herdeiro legítimo das causas, lutas e esperanças desta tradição nacional progressista. Esta leitura poderia ajudar a entender a aproximação do então secretário geral do PCB Astrojildo Pereira ao tenentista Luís Carlos Prestes. Sabe-se que Astrojildo o procurou na Bolívia em fins da década de 20, encontro que se tornaria um dos motivos de seu afastamento do partido pela influência da Internacional, incapaz de analisar a especificidade brasileira, na década de 30. O comunismo brasileiro era entendido pelo militante comunista, portanto, como o movimento privilegiado de continuação dos radicais brasileiros, tenentistas e abolicionistas dentre estes, em luta contra a opressiva ordem social do país. Se a abolição ocorrida no país havia resolvido apenas a metade do problema, como apontava um abolicionista como André Rebouças, ainda seria escravo o povo brasileiro cabendo ao socialismo no país lutar por sua libertação.

* Wapedia - Wiki: Astrojildo Pereira

Wiki: Astrojildo Pereira http://wapedia.mobi/pt/Astrojildo_Pereira
Astrojildo Pereira Duarte Silva (Rio Bonito, 1890Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1965) foi um escritor, jornalista, crítico literário e político brasileiro, fundador do Partido Comunista do Brasil, em 1922.
Na juventude, como gráfico, fez parte de organizações operárias de orientação anarco-sindicalistas, sendo um dos organizadores do segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1913. Próximo aos principais líderes da Confederação Operária Brasileira, casou-se com a filha do anarquista Everardo Dias.
Em 1918, foi preso por organizar uma fracassada insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Libertado em 1919, tornou-se simpatizante do bolchevismo russo, fundando em 1921 o Grupo Comunista do Rio de Janeiro (1921). No ano seguinte, em março de 1922, reuniu os vários grupos bolchevistas regionais para criar o Partido Comunista do Brasil, em março de 1922, reconhecido dois anos depois como Seção brasileira da III Internacional.
Sua primeira viagem à União Soviética foi em 1924, na condição de secretário-geral do partido. No ano seguinte, junto com Otávio Brandão, iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, órgão oficial do PCB. Em 1927, viajou à Bolívia para entrar em contato com o líder tenentista refugiado Luís Carlos Prestes, afim de aproximá-lo do marxismo-leninismo. Em 1928, passou a ser um dos integrantes do comitê executivo da III Internacional.
Após viver em Moscou entre fevereiro de 1929 e janeiro de 1930, voltou ao Brasil com a missão de impor a proletarização do partido, combatendo as influências anarquistas e substituindo intelectuais por operários. No entanto, essa política de "obreirização" acabou atingindo ele próprio em novembro do mesmo ano, quando foi afastado da secretaria-geral do PCB. No ano seguinte, desligou-se do partido e e passou a colaborar no jornal carioca Diário de Notícias e na revista Diretrizes. Como crítico literário, especializou-se nas obras de Machado de Assis e Lima Barreto.
Em 1945, retornou ao PCB, passando a colaborar com sua imprensa partidária. No entanto, após a cassação do partido, em 1947, a diretriz política sectária ordenada por Prestes até 1956, acabaram o afastando novamente do PCB.
Após a instauração do governo militar, em 1964, foi preso no mês de outubro, por três meses, já em estado de saúde precário. Em 2000 o Partido Popular Socialista cria a FAP — Fundação Astrojildo Pereira, com o objetivo de preservar a memória do fundador do PCB e dos militantes comunistas brasileiros através de estudo e pesquisa.
1. Bibliografia
KONDER, Leandro. “Astrojildo Pereira: o homem, o militante, o crítico” In: Memória & História, no 1, Ciências Humanas, São Paulo, 1981.
OLIVEIRA, J. R. Guedes de Oliveira. Viva, Astrojildo Pereira! 4ª capa de Antonio Cândido. São Paulo, Fundação Astrojildo Pereira, 2005. 228 pp.
FEIJÓ, Martin Cézar. Formação política de Astrojildo Pereira (1890-1920). São Paulo, Novos Rumos, 1985.
FEIJÓ, Martin César. O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural. São Paulo, Boitempo Editorial, 2001.
LENA JR., Hélio de. Astrojildo Pereira: um intransigente libertário (1917-1922). Vassouras, Universidade Severino Sombra, 1999. Dissertação de mestrado; orientador: Lincoln de Abreu Penna.

* Revista Crítica Marxista (Arquivo Marxista na Internet)

Astrojildo Pereira: artigos

http://www.socialismo.org.br/portal/historia/146-documento/522-astrojildo-pereira-artigos

História
Astrojildo Pereira
Sex, 29 de agosto de 2008 16:32

Astrojildo Pereira
Os documentos que seguem(1) procuram apenas sugerir como, no calor da hora e com as poucas notícias disponíveis, Astrojildo Pereira acompanhou a guerra e os acontecimentos revolucionários na Russia e na Europa (1 a 3) e enfrentou o debate com os anarquistas, no processo de fundação do Partido comunista, defendendo sempre a Russia soviética (4 a 6 ).1 - A Revolução Russa (O Debate, ano I, nº1, 12 de julho de 1917).Bem difícil, sem dúvida, é precisar o curso dos atuais acontecimentos na Rússia. Aliás, seria rematada tolice pretender firmar tais ou quais traços definitivos do grande movimento que deu por terra, abruptamente, com a casta dos Romanov, e com ela, de cambulhada, todas as demais castas aristocráticas e monopolizadoras das riquezas e do poder.Movimento de tal magnitude e complexidade, revolvido por mil correntes diversas, há de por força manifestar-se confuso e contraditório, com altos e baixos, com claros e escuros violentos. Impossível, pois, determinar em linhas inflexíveis os traços essenciais dos fatos revolucionários e suas conseqüências.O que não quer dizer que, em meio do cipoal dos telegramas e correspondências e de outros documentos mais raros, não se possa fazer uma idéia mais ou menos aproximada do grande drama político — grande por si mesmo e ainda maior por suas conseqüências —, da orientação que o tem guiado e das tendências que o caracterizam.Os dois núcleos orientadores do movimento, a Duma e o Comitê de Operários e Soldados, este surgido da própria revolução, logo tomaram posições antagônicas, terminado o primeiro golpe demolidor. A Duma, vinda do antigo regime, pode dizer-se representa, em maioria, a burguesia moderada e democrática, ao passo que o Comitê de Operários e Soldados, composto de operários, representa o proletariado avançado, democrata, socialista e anarquista. A Duma deu o governo provisório e o primeiro ministério; o Comitê de Operários e Soldados derrubou o primeiro ministério, influiu poderosamente na formação do segundo e tem anulado quase por completo, senão de todo, a ação da Duma.Insignificante, sem nenhum peso, pelo menos até agora, o elemento reacionário e aristocrático, a situação russa tem que obedecer, na sua luta pela estabilização pública, às duas forças principais enfeixadas pelo proletariado socialista e anarquista e pela burguesia democrática e republicana. A qual das duas forças está destinada a preponderância na reorganização da vida russa?O que se pode afirmar com certeza é que essa preponderância tem cabido, até agora, ao proletariado. E como o proletariado, cuja capacidade política já anulou o papel da Duma burguesa, está também com as armas na mão, não encontrando, pois, resistência séria aos seus desígnios, não muito longe da certeza andará quem prever a sua contínua preponderância, até completa absorção de todos os ramos da vida nacional, extinguindo-se, de tal modo, num prazo mais ou menos largo, a divisão do povo russo em castas diversas e inimigas. E inútil é insistir na influência que tais acontecimentos exercerão no resto do mundo, na obra de reconstrução dos povos, cujos alicerces estão sendo abalados pelo fragor inaudito dos grandes canhões destruidores...2 - A Revolução Russa e a Imprensa (março de 1918)As páginas que formam este folheto foram escritas em dias espaçados, no intervalo de tempo contado de 25 de novembro do ano findo até 4 de fevereiro último. Algumas delas foram enviadas, em forma de cartas, aos jornais, rebatendo injúrias ou deslindando confusões. Reunidas e coordenadas nesta brochurinha, creio valerão como um documento e um protesto mais duradouro contra as calúnias e imbecilidades de que se tem servido a nossa imprensa nas apreciações sobre a obra dos maximalistas russos...A Revolução Russa e a imprensa cariocaJamais, jamais se viu na imprensa do Rio tão comovedora unanimidade de vistas e de palavras, como, neste instante,(2) a respeito da Revolução Russa. Infelizmente, tão comovedora quanto deplorável, essa unanimidade toda afinada pelas mesmíssimas cordas da ignorância, da mentira e da calúnia. Saudada quando rebentou e deu por terra com czarismo dominante, a Revolução Russa é hoje objeto das maldições da nossa imprensa, que nela só vê fantasmas de espionagem alemã, bicho perigoso de não sei quantos milhões de cabeças e de garras. Provavelmente os nossos jornais desejariam que se constituísse, na Rússia, sobre as ruínas do Império, uma flamante democracia de bacharéis e de negociantes, como a que tem por presidente o sr. Wilson, ou como esta nossa, presidida pela sabedoria inconfundível do sr. Wenceslau. A caída do nosso Império e a implantação desta nossa República, sem gota de sangue, com uma simples e vistosa procissão na rua, parece ter-se tornado, aos olhos dos nossos jornalistas, o padrão irrevogável pelo qual se devem guiar as revoluções antidinásticas que se forem efetuando pelo mundo. Como a Revolução Russa, ao contrário disso, tem tomado um caráter profundo, de verdadeira revolução, isto é, de transformação violenta e radical de sistemas, de métodos e de organismos sociais, levada para diante aos empurrões, pelo povo, pela massa popular, eis que os nossos jornais desabam sobre ela, de rijo, toda a fúria da sua indignação democrática e republicana. É que os nossos jornais partem dum ponto de vista errado, supondo que o povo russo tem a mesma mentalidade do povo brasileiro de 89, que assistiu, “bestializado”, à proclamação, por equívoco, desta bela choldra que nos desgoverna.Não: o povo russo é um povo de memoráveis tradições revolucionárias, cuja mentalidade, formada através das mais ásperas e mais empolgantes batalhas libertárias destes últimos cem anos, não pode satisfazer-se com o regime falsamente democrático da plutocracia, regime de espoliação em nome da igualdade perante a lei, de embuste e burla eleitoral e de parlamentarismo oco, palavreiro, desmoralizado, safadíssimo... Já em 1869, há quase meio século, escrevia Bakunine, um dos grandes precursores da atual revolução e que se achava então na Suíça, exilado:“Eles (os revolucionários russos) querem nem mais nem menos que a dissolução do monstruoso Império de todas as Rússias, que, durante séculos esmagou com o seu peso a vida popular, não conseguindo, porém, extingui-la de todo. Eles querem uma revolução social tal que a imaginação do Ocidente, moderada pela civilização, apenas consegue pressentir”. “Um pouco mais de tempo... e então ver-se-á uma revolução que sem dúvida ultrapassará tudo quanto se conhece até aqui em matéria de revoluções”.(3)“Agentes alemães”Uma das teclas mais batidas pelas ilustríssimas gazetas do Rio, quando se referem à Revolução Russa, é a de que os bolcheviques, em geral, e Lenin em particular, são agentes do governo alemão. Ora, há em tudo isso, a par do evidente contra-senso, um crasso desconhecimento dos fatos.Leniné um velho socialista militante de mais de vinte anos, e como tal ferozmente perseguido pela autocracia moscovita, mas sempre o mesmo homem de caráter indomável e intransigente.(4) Como pode, pois, entrar nos cascos de alguém que um homem destes, precisamente quando vê os seus caros ideais em marcha, a concretizar-se numa soberba floração de energia vital, vá vender-se a um governo estrangeiro? Lenin, se quisesse vender-se, algum dia, bastava esboçar o mais leve sinal e o governo de S. Petersburgo lhe rechearia os bolsos fartamente, vencendo pelo dinheiro o inimigo implacável. Não precisava esperar através de anos inteiros de perseguições e sofrimentos, que a revolução social de seus sonhos se iniciasse para entregar-se ao marco prussiano, como um vulgaríssimo trampolineiro, como um jornalista qualquer destes que abundam na imprensa desta terra. Os cascos do mais espesso jumento repelirão, por demasiada, tal sandice... Aos nossos jornalistas, a honra de a fecundarem!E grande honra, essa, que a Revolução, ao extravasar-se da Rússia, ao espraiar-se pela Europa, ao atravessar os oceanos e ao vir sacudir-nos da bestialização republicana, saberá, de certo, regiamente e merecidamente recompensar...Incoerências e imbecilidadesInteressantíssimo, o artigo estampado há dias no Imparcial,(5) sobre a situação russa. Notório acérrimo defensor da “ordem social”, o Imparcial serve, assim, valentemente a causa do Estado, de que é um dos esteios e na qual tem empregado sérios interesses. E tanto mais valentemente quanto é certo que, brigando contra os fermentadores de revolta, briga também contra a lógica e contra a verdade dos fatos. Exemplo flagrante disso é o trecho seguinte do citado artigo:“A Rússia era uma nação governada pelo knut. Sacudido o jugo dos Romanov, entregou-se a embriaguês da emancipação, com todos os seus excessos. Falta-lhe a cultura moral necessária para disciplinar a liberdade sob autoridade e para compreender que um governo acatado e leis obedecidas são condições indispensáveis à existência de uma nação livre. O espírito militar extinguiu-se no exército, destruindo-lhe a força de agressão, e até o estímulo de resistência”.Eu sublinho as palavras que me parecem mais comprometedoras...Acho estupendo que se julgue a emancipação capaz de causar embriaguez. Isso é querer compará-la ao álcool, ao vinho, à vodca, que embriagam aos viciados (permanentes ou momentâneos, pouco importa), isto é, aos escravos da bebida. Ora, um escravo, se me não engano, é tudo quanto há no mundo de menos emancipado. Não, a emancipação não pode jamais embriagar. Ela é água límpida, refrigerante, saudabilíssima...Não menos estupendo acho eu o conceito de disciplinar a liberdade sob autoridade. Essa é a linguagem de todos os despótas de todos os tempos, isto é, dos grandes inimigos da liberdade. Liberdade disciplinada é liberdade limitada, cortada, imposta, — de onde resulta deixar de ser liberdade. E não falemos em liberdade sob a direção da autoridade... A autoridade, por sua origem, por sua função essencial e formal, por seu papel histórico, representa precisamente e concretamente o princípio oposto ao princípio da liberdade. Pode dizer-se que a autoridade e a liberdade são os dois antípodas da história da humanidade. Esta mesma história prova-o abundantemente: toda e qualquer conquista de liberdade implica necessariamente em diminuição de autoridade. Autoridade é força manejada pelo arbítrio de alguns: é violência, é compressão, é brutalidade, é imposição — tudo quanto há de menos liberdade.O espírito militar extinguiu-se no exército russo...: é verdade, e felizmente, muito felizmente. Eu sou antimilitarista e alegro-me imenso com tão auspicioso acontecimento. E desejo ardentemente que o mesmo aconteça na França, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha, na Áustria, nos Estados Unidos, no Brasil... no mundo todo. O que, porém, não posso compreender, por mais esforços que faça, é que o Imparcial, que combate o espírito militar existente no povo alemão, como um perigo universal, entenda que o desaparecimento desse espírito militar, na Rússia, constitui um mal. De duas uma: ou o espírito militar (ou militarismo, que tudo é um) é um bem, ou é um mal. Se é um mal (como afirmam os aliados, referindo-se à Alemanha), o seu desaparecimento, ou a sua não existência, num país qualquer (como é o caso da Rússia, segundo afirma o Imparcial) constitui um motivo de felicidade inestimável, e deve, assim, ser louvado por toda a gente, amiga da humanidade e da liberdade. Se ao contrário, o espírito militar é um bem, ele deve ser louvado também na Alemanha, que, incontestavelmente, é a pátria mestra em militarismo, mestra cujos exemplos devem ser seguidos por quantos entendem que o espírito militar é um bem. Combater o militarismo tedesco e, ao mesmo tempo, louvar e incitar (o que têm feito todos os aliados, inclusive agora o Brasil, por desgraça nossa) o espírito militar no resto do mundo, eis uma incoerência que eu não posso compreender, por mais esforços que faça... Enfim, bem pode ser que seja eu o imbecil!Divergência fundamental“É evidente que a concepção dos maximalistas sobre a liquidação da guerra diverge muito da de Berlim e Viena”. Eis o que afirmava a Agência Havas, em telegrama de Paris, datado do dia 7 de dezembro último e aqui publicado, pelos jornais seus clientes, ao dia seguinte. É uma informação absolutamente insuspeita, pois que parte duma agência francesa oficiosa, cujos despachos são diretamente controlados pelo governo da França.Ora, se “é evidente” a divergência entre os maximalistas e os governantes de Berlim e Viena, a respeito da liquidação do conflito guerreiro, isso quer dizer, nem mais nem menos, que os maximalistas pensam e querem que a guerra termine dum modo diverso do modo que pensam e querem os governantes alemães e austríacos. Divergir é pensar e querer a mesma coisa de maneira diferente, e quando duas pessoas, ou grupo de pessoas, ou duas coletividades, têm firmado sobre um mesmo assunto, um pensamento e uma vontade divergentes, isso significa que não existe acordo entre as duas partes. É o que se dá agora entre Berlim e Viena, dum lado, e Petrogrado, do outro: entre os maximalistas e os governos tedescos não existe concordância de opinião sobre a guerra e a paz. Nem poderia jamais existir concordância entre uns e outros: os maximalistas, socialistas revolucionários batendo-se por um programa “máximo”(6) de reinvidicações populares; os imperantes austro-alemães, a personificação culminante da autoridade, da tirania, da opressão, espoliação das massas populares. O programa essencial de todos os partidos socialistas consiste precisamente no combate aos instrumentos e aos partidos de tirania e espoliação. Os maximalistas, que formam uma fração dos socialistas russos, são por sua própria natureza, especificamente inimigos de todos os governos monárquicos e plutocráticos, da Rússia e de fora da Rússia, portanto inimigos naturais dos governantes de Berlim e Viena. E é daí que resulta a divergência radical entre uns e outros, sobre a guerra e a paz.Ora, se isso é verdade, se isso constitui um fato evidente, como conceber que os maximalistas sejam agentes alemães, agindo por influxo do marco, prussiano, traidores da pátria e outras coisas não menos feias?(7)“Alteração” maximalista é “evolução” aliada...“Petrogrado, 23 [de dezembro] (Havas). Discursando nesta capital a respeito das negociações de paz com os impérios centrais, o sr. Trotski disse: “A Revolução Russa não derrubou o czar para cair de joelhos ante o kaiser, implorando paz. Se as condições oferecidas não forem conformes aos princípios da revolução, o partido maximalista recusará assinar a paz. Fazemos guerra a todos os imperialismos”.Como se vê, este telegrama, da mesma insuspeitíssima (no caso) agência, veio confirmar, com as próprias palavras de Trotski, os comentários que o telegrama do dia 7 me sugerira.Na sua edição de 24 de dezembro, A Noite, desta cidade, assim se exprimia: “O programa de paz dos maximalistas, apresentado à conferência (de Brest-Litovski, inaugurada nesse dia), podia ser aceita, com pequenas alterações, por todos os países aliados. Nunca poderá ser aceito, porém, pelos impérios centrais”... “Estas condições (as apresentadas pelos russos) são inteiramente inaceitáveis pelos impérios centrais, porque elas repousam sobre bases democráticas contrárias em absoluto, ao imperialismo que domina em Berlim e Viena”. É outro testemunho insuspeitíssimo, contra conceitos próprios anteriormente espendidos e confirmando integralmente o que eu dissera nos comentários do dia 9...Uma observação curiosíssima. Referindo-se às condições de paz expostas simultaneamente pelo sr. Lloyd George, no Congresso dos Sindicatos Operários Ingleses, e pelo sr. Wilson, na mensagem ao Congresso americano, O Imparcial de 10 de janeiro último estampa entre outras coisas de maior interesse, esta:“Alguns órgãos da imprensa aliada, por um excesso de zelo que prejudica em vez de favorecer a causa comum, nos comentários bordados sobre essas solenes declarações, procuram mostrar que a Entente não modificou uma linha dos seus propósitos anteriormente assentados sobre a guerra. Basta reler com atenção o discurso do primeiro ministro inglês e a mensagem ao Congresso Americano, para ver que os aliados evoluíram no seu programa”... Ao ser divulgado o programa de paz apresentado pelos maximalistas, A Noite, a 24 de dezembro, afirmava que tal programa “podia ser aceito, com pequenas alterações, por todos os países aliados”. Realmente, três semanas depois, a Inglaterra e os Estados Unidos, e com eles os demais aliados, aderiram ao programa russo. Aderiram, é claro, com alterações, não pequenas, mas grandes, e alterações da parte deles aliados, como confessa O Imparcial, quando diz, com deliciosa candura, que “os aliados evoluíram no seu programa”...A mensagem de WilsonA mensagem do presidente Wilson, aqui publicada no dia 9 de janeiro, é que veio entupir de vez as goelas dos miseráveis escribas de penas permanentemente voltadas à calúnia. Eu não resisto ao desejo de transplantar para estas páginas os trechos da mensagem em que se toca nos russos e na conferência de Brest-Litovski. Vale a pena dar-lhes relevo:“Os representantes da Rússia em Brest-Litovski apresentaram não só uma exposição perfeitamente definida e clara dos princípios sobre os quais eles estariam dispostos a concluir a paz, mas também um programa igualmente nítido e preciso sobre o modo concreto desses princípios poderem ser aplicados”... “As negociações foram quebradas. Os representantes da Rússia eram sinceros e como tais não podiam seriamente dar incremento”, etc... “Os representantes russos têm insistido, muito justa e sabiamente e dentro do espírito da moderna democracia, em que as conferências que eles têm celebrado com os estadistas teutônicos e turcos deviam ser celebradas a portas abertas, tendo por auditório todo o mundo, como se desejava”...“Há além disso uma voz a reclamar essas definições de princípios e propósitos, que, em minha opinião, é mais comovente e intimativa do que qualquer das muitas vozes tocantes que povoam o ambiente do mundo. É a voz do povo russo... Ele não cede nem nos princípios nem na ação. A sua concepção do que é justo, do que é humano, do que é honroso aceitar, já foi exposta com uma franqueza, uma largueza de vistas, uma generosidade de espírito, uma universal simpatia humana que há de provocar a admiração de todos os amigos da humanidade. Tem ele recusado transigir nos seus ideais, ou abandoná-los para garantir a sua própria segurança”...Depois disso, não há senão que subscrever e seguir com entusiasmo as recomendações feitas pelo Cosmopolita,(8) ao comentar estes mesmos trechos da mensagem de Wilson:“Tornando... às imbecilidades estampadas na imprensa carioca, só nos resta recomendar aos nossos amigos e camaradas esses senhores jornalistas dos rotativos: por enquanto o desprezo e o desdém... e mais tarde, na hora solene do grande e próximo ajuste de contas, então, sim, saibamos tirar proveito da rijeza combativa dos nossos músculos!”.O desmembramento do colossoUma das conseqüências da Revolução Russa que mais assombro e indignação causam aos nossos jornalistas é a do desmembramento do ex-Império. Eles põem as mãos na cabeça, desorientados, ao lerem os telegramas que noticiam a independência e autonomia da Finlândia, do Cáucaso, da Sibéria, da Ucrânia... E as suas apóstrofes de maldição desabam sobre os maximalistas, “monstros” satânicos e cruéis, provocadores da derrocada da própria pátria! Isto se tem dito e redito em vários tons, graves e agudos, descompassados todos... Ora, são esses mesmíssimos jornalistas açambarcadores da opinião, cuja vacuidade mental e cuja barriga não são inferiores nem à barriga, nem à vacuidade mental dos açambarcadores de açúcar ou de charque, são esses mesmíssimos plumitivos super-aliadófilos que proclamam, desde há três anos e meio, baterem-se os aliados pelo direito das nacionalidades, pelo princípio das nacionalidades, pela independência das nacionalidades! De duas, uma: ou tais pregoeiros são insinceros, quando defendem a causa aliada da independência dos povos, ou então ignoram inteiramente a história, a constituição e a organização do ex-Império de todas as Rússias. Isto é, pode ser por um terceiro motivo: a insinceridade e a ignorância juntas. Eu estou certo de que, mesmo quando se lhes prove, documentos na frente,(9) que a Rússia de ontem era um amontoado heterogêneo de nacionalidades, eles continuarão, cegos e surdos às boas razões (mas de olhos arregalados e ouvidos aguçados no tilintar dos esterlinos...) a apostrofar a “insensatez”, a “loucura”, a “infâmia”, a “traição” e não sei mais que outros tremendos pecados dos maximalistas!A “traição” dos aliados...Todos os tratados e convênios, secretos ou não, firmados pela Rússia e pelas nações da Entente, datam do governo autocrático do czar. Mas o governo autocrático do czar caiu, e debaixo de palmas dos aliados, pela vontade revolucionária do povo russo, num soberbo quebrar de cadeias tirânicas. A revolução, como se viu, de começo manietada pelo Lvov, pelos Rodzianko, pelos Miliukov, pelos Kerenski, integrou-se finalmente nas mãos da plebe, tomando uma orientação verdadeiramente popular e libertária, — antiguerrista, antiburguesa, antiautoritária. Nada mais lógico, nem mais justo, pois, que se declarem anulados todos os convênios e tratados anteriormente concluídos entre os governantes da Rússia e os governantes de outras nações. O governo do czar era um governo de tirania, constituído fora da vontade, contra a vontade da massa da população, e por isso acabou sendo derrubado por essa massa: conseqüentemente, todos os atos, todos os contratos firmados no tempo do czar o foram pela vontade exclusiva da tirania dominante e contra a vontade do povo. Desde, pois, que a tirania foi vencida e o povo triunfou, aqueles tais atos e contratos, conluios e entendimentos, por sua própria natureza, por seu próprio mal de origem ficaram desfeitos e anulados. É um ponto, este, deploravelmente olvidado pela imprensa, quando se refere, furiosa, à “traição ignóbil e abominável” feita pelos comissários do povo russo aos aliados... Aos governantes aliados, entenda-se!As utopias deliciosas e alegres...“Foi, de fato, a Revolução Russa, com todos os trágicos sucessos, o acontecimento que mudou a face das coisas, começando a tornar possíveis programas, transformações sociais, movimentos de independência política e sistemas de governo que já nos primeiros meses de guerra continuavam a ser considerados como fatos impraticáveis e inconvenientes, como utopias deliciosas e alegres” — “Esqueciam-se os que assim pensavam que, igualmente como utopias consideradas foram, no seu início, todas as grandes conquistas da humanidade e da civilização...”Estas palavras — mirable dictu! — são rigorosamente transcritas do Paiz, da apreciação com que o famigerado órgão encabeçava as notícias de revolução na Áustria.(10) Apenas, o redator de O Paiz devia ter escrito: “esquecíamos, os que assim pensávamos” ... Menos esta restrição, alias secundária, não há como louvar a agudeza de vistas e a rara franqueza do comentador. Porque tais conceitos destoam completamente dos em geral espendidos pela imprensa, quando nos chegam notícias de realização e concretização das antigas utopias socialistas e anarquistas... Antes da guerra, toda a imprensa graúda, e com ela os seus sacerdotes maiores e menores e mais os seus devotos, riam-se (às vezes, choravam também...), com um superior e piedoso desdém, das idéias e dos ideais dos utopistas, dos sonhadores, dos visionários, dos aluarados, dos quimeristas... E quando não era o riso escarninho, sabemo-lo todos, substituía-o a pancadaria grossa das calúnias, das infâmias, dos insultos, dos doestos, das ameaças.Rebentada a guerra, o riso se estendeu abertamente até à gargalhada estrondosa: foram então dados como falidos de vez, e sem mais remédio, o socialismo, o anarquismo, o internacionalismo, o antimilitarismo...Debalde os anarquistas e só os anarquistas (porque os próprios socialistas, com pouquíssimas exceções, e até mesmo alguns anarquistas aderiram todos mais ou menos à guerra e ao Estado), gritaram e afirmaram a integridade das suas convicções e das suas esperanças; os apodos recrudesceram, e com os apodos dos sabicholas da letra de forma, a perseguição, a cadeia, a morte... A guerra porém, levada a excessos inauditos, acabou por provocar a Revolução Russa, revolução social e não apenas política e antidinástica, que fatalmente se estenderá pelo mundo inteiro, arrasando tudo, transformando tudo, reconstruindo tudo sobre bases novas. Pois bem: neste momento, quando nos chegam da Rússia notícias de caráter libertário, de socialização da propriedade, de entrega das terras aos lavradores e das fábricas aos operários, de administração da produção e do consumo diretamente feita pelo proletariado de blusa e de farda, quando numa palavra, se realizam e se concretizam as “utopias deliciosas e alegres”, outrora perigosas ou bonitas, mas sempre absolutamente impraticáveis, saem-se os grandes jornalistas com os olhos a saltarem fora das órbitas, a falarem em “espantosas” transformações, em “loucuras” do populacho, em “bebedeiras” de liberdade!... Assim: antes da guerra, as nossas doutrinas eram muito “bonitas”, mas irrealizáveis; ao declarar-se a guerra, estavam todas “falidas”; e agora, no começo da revolução social, quando vão tendo aplicação, são “espantosas” e “absurdas”... Não admira, pois, que a burguesia esteja irremediavelmente perdida: essa incapacidade intelectual dos seus mentores e publicistas vale por um sintoma grave e definitivo...Os escribas de a RazãoDe todos os jornais cariocas e, com certeza, de todos os jornais do mundo, aquele que mais danada e azeda bílis tem expectorado contra os maximalistas é, sem dúvida, A Razão. Dirigido por um energúmeno cômico e notório, profeta e papa espírita, semilouco e pouco menos que analfabeto, esse jornal tem, no entanto, apesar disso, uma tal ou qual popularidade, ganha com algumas campanhas simpáticas. A sua fobia antimaximalista é duplamente odiosa: em si mesma e pelo fato de se espalhar principalmente na massa proletariada, ludibriando-a e envenenando-a. Eu compreendo e até alegro-me com as injúrias, por exemplo, do Jornal do Comércio: está no seu papel de folha conservadora. A Razão, porém, se apregoa como um órgão criado especialmente para o povo, para as classes operárias: mente e remente dobrado, por dentro e por fora, para a direita e para a esquerda... Eu quero reproduzir, para escarmento dos escribas que a redigem, um dos seus muitos tópicos contra o maximalismo:Porque os tais maximalistas não são apenas uns loucos, incapazes de compreender a profunda inconveniência de, em uma hora como esta, provocar agitações políticas internas.(11) São também uns notáveis canalhas, apontados universalmente como agentes alemães e que, além disso, querem suprimir o direito de propriedade(12) na Rússia, entregando todas as terras à plebe inconsciente(13) que, levada por essa miragem de ficar rica em poucas horas,(14) esquece os altos deveres de defender a Pátria, já invadida e em parte dominada pelo estrangeiro. Esses infelizes são dirigidos e guiados por um monstro da ordem de Lenin que se prestou ao papel ignóbil de ir abrir as portas da Rússia ao mais perigoso de todos os imperialismos o que tem por centro motor a casta dominante na Rússia(15) militar. Alimentados pelo dinheiro alemão, conduzidos pelos espiões e pangernistas de Berlim, os maximalistas, conseguindo, por um golpe feliz da fortuna, apoderar-se da Rússia,(16) não trepidaram ante o crime, ante à infâmia descomunal de propor imediatamente a paz(17) em separado à Alemanha, traindo de modo revoltante os aliados, aos quais jurara o colosso moscovita(18) só agir de concerto com as nações da Entente.Este chorrilho ignomioso de mentiras, de intrigas, de calúnias, foi estampado na seção editorial Fatos e Informações do dia 16 de novembro de 1917. Nove dias após a caída de Kerenski. É um documento que merece registro e de que nos devemos recordar para as necessárias satisfações, no dia em que a revolução, atravessando o oceano, irrompa justiceira por estas riquíssimas terras brasílicas de miseráveis e famintos...3 - O Juizo Final (Crônica Subversiva, Ano I, nº 5, Rio, 29 de junho de 1918).Guardadas as devidas proporções de desconto aos exageros telegráficos, pode acreditar-se como certa a derrota que os exércitos italianos estão infligindo, neste momento, aos exércitos austríacos. Mas terá essa derrota a virtude de intensificar o espírito de revolta que parece lavrar no império Austro-Húngaro? Eis o que me interessa... Continuo firme na minha convicção de que militarmente a guerra não tem solução.A cada grande e formidável ofensiva, em qualquer das frentes, mais se me arraiga tal convicção. As últimas investidas germânicas na França constituem uma prova a mais, exuberantíssima. Efetivos colossais se lançaram ao mando supremo de Ludendorf e Hindenburg, contra as linhas de Foch e Pétain. A artilharia, quer da ofensiva, quer da defensiva, vomitou milhares de toneladas de ferro, abrindo ou barrando o caminho às avançadas. Aeroplanos, tanques, gases asfixiantes e outros inventos burgueses e patrióticos, tudo se empregou nos embates tremendos, duma parte e doutra. E duas, três, quatro semanas se escoaram, impassíveis ao morticínio imenso... Como a capacidade de assombro já se acha esgotada nos homens destes dias, ninguém mais se assombra com as centenas de milhares de mortos, de estropiados, de inutilizados, com as cidades e vilas a mais arrasadas e destruídas, com os quilômetros de terra a mais talados e sacudidos pelo heroísmo das bocas de fogo. Resultado final de tudo — a continuação da guerra. Os alemães conquistaram alguns palmos de terreno, tomaram alguns escombros de aldeias, atingiram algum pico de colina, atravessaram um rio, vadearam um riacho; mas os franceses ou ingleses reconquistaram os palmos de terreno, retomaram os escombros de aldeias, fizeram o inimigo baixar do pico da colina, obrigaram-no a voltar à outra margem do rio ou do riacho. Em alguns pontos, os alemães conseguiram firmar as patas, obrigando os aliados a recuarem alguns quilômetros, mas sem os esmagar; noutros pontos, franceses ou ingleses, em contra-ataques furiosos, obrigaram os alemães a abandonarem posições mantidas desde meses ou anos. E continua tudo na mesma: duelos constantes de artilharia, ataques e contra-ataques, ofensivas e contraofensivas, conquistas e reconquistas, derrotas e vitórias, vitórias e derrotas e os montóis de mortos vão crescendo, crescendo, crescendo infindavelmente... Há quatro anos quase que se verifica esse interminável fluxo e refluxo das ondas guerreiras. Tudo nos mostra que ele continuará enquanto durar a guerra. É o empate. Outra solução, que não a militar, tem, pois, de ser dada ao conflito. Ora, a não ser pelas armas, com o esmagamento dum dos outros grupos beligerantes pelo outro, a única solução possível será a resultante da ação revolucionária dos povos, sobrepondo-se ao Estado e às burguesias e dinastias dirigentes. Foi o que fez e está fazendo o povo russo. É o que, parece, está o povo austro húngaro a ponto de iniciar. Neste sentido, e tendo-se em conta a desesperada situação interna em que se debate a monarquia dual, os reveses de agora, na frente italiana, serão indubitavelmente muito favoráveis. Essa ofensiva austríaca, que vai tendo um fim tão desastrado, mirava de certo aplacar, de algum modo, a gritaria rebelde do povo. Se ela se fizesse com êxito e boa fortuna, consegui-lo-ia em grande parte, não o duvido.Terminando em desastre, dará os resultados opostos, isto é, contribuirá para irritar ainda mais o ânimo das populações do império, elevando-lhes e intensificando-lhes o espírito de revolta. Que este espírito de revolta se alastre e dinamize em potência acionadora irresistível, e a revolução popular subjugará e esmagará a camarilha dinástica, militar, política e industrial da Áustria-Hungria, inaugurando, a exemplo da Rússia, um novo período de organização social, baseado nos reais interesses coletivos do povo e não no interesse monopolizador das pretensas elites. E não é preciso possuir visão de profeta para prever a decisiva influência que isso exercerá na Alemanha e na Itália. Na Alemanha, grandemente enfraquecido o poder da casta militar e governante, receberá o povo, a estrebuchar nas vascas da mais feroz pressão reacionária, um formidável impulso revolucionário, e então o execrado Império Alemão, com seus Hohenzollern, os seus junkers, os seus Hindenburg, Krupp e Hertling, terá passado ao monturo da História. Na Itália, a revolução será ainda mais rápida. O reizinho imbecil e a camorra política que o cerca e domina a situação irão de pantanas em 24 horas, irremediavelmente. Ora, atrás da Áustria, da Itália, da Alemanha... virá o resto. Será o juízo final da burguesia. Pensando nisso é que eu me regozijo com a sova que os exércitos austríacos estão apanhando neste momento. Porque eu espero que o juízo final chegue também por cá, por estes Brasis amados. Ah! não me sai da mente esta luminosa idéia: subir as escadas do Catete e pegar pela gola o patife que lá estiver a presidir e arremessá-lo das janelas do segundo andar, a esborrachar-se integralmente no asfalto...4 - “Não Nos Assustemos Com o Debate” (Movimento Comunista, nº 3, p. 69-70, março de 1922)A fundação de nossos grupos comunistas, primeiro passo para a próxima e definitiva constituição do Partido Comunista Brasileiro, tem suscitado, como não podia deixar de ser, uma viva e renhida celeuma em nossos meios obreiros. Isso está na ordem natural das coisas, e é um bem que assim seja. Esse embate de idéias, esse confronto de ideologias, essa diversidade de pontos de vistas, antes de mais nada denotam vitalidade e bravura. Alguns camaradas, timoratos ou pouco perspicazes, assustam-se e desgostam-se com a refrega aberta entre companheiros de ontem. Não há de quê. Ao contrário, amigos, regozijemo-nos com isso!E entendamo-nos. A grande guerra pôs em desequilíbrio não somente o mundo capitalista, mas também o mundo proletário. Com uma diferença: que o desequilíbrio do mundo capitalista é um desequilíbrio mortal, de decadência de valores, ao passo que o desequilíbrio do mundo proletário é um desequilíbrio vital, de renovação de valores. A crise do mundo capitalista é uma crise de agonia; a crise do mundo proletário é uma crise de parto. Deixemos, porém, de parte a crise do capitalismo, que não vem agora ao caso, e vejamos, rapidamente em linhas gerais, que formas e manifestações tomou a crise do proletariado.Podemos dividi-la em duas fases. Primeira, ocasionada logo de começo pela guerra propriamente. Esta primeira fase se caracterizou pelo deslocamento do movimento operário do plano internacional para o plano nacional. A “união sagrada” tomou o lugar do postulado: “proletários de todo mundo, uni-vos!”Os partidos socialistas e as organizações sindicalistas e anarquistas renegam, pela boca de seus chefes e pela ação de suas massas, aquele postulado, arrolando-se mutuamente nos campos de batalha. Só uma pequena minoria das três frações proletárias resistiu ao embebedamento guerrista e nacionalista, mantendo alto, embora debilmente, o pendão da Internacional.Segunda fase, marcada com o rebentar da Revolução Russa, seu fulminante desenvolvimento e sua transmudação de política em social com o advento do bolchevismo.Esta segunda fase, ainda acentuada com as revoluções nos Impérios Centrais, precipitou a crise. Aquela pequena minoria internacionalista foi pouco a pouco tomando maior vulto, engrossando suas fileiras, até constituir-se, de algum modo, o elemento novamente preponderante, senão pelo número, pelo prestígio de sua ação e suas atividades mundiais. A III Internacional, constituída em 1919, concretizou este movimento.E a crise tomou, assim, uma feição decisiva. Os partidos socialistas se fracionaram nitidamente, em cisões completas e absolutas: as esquerdas ingressando na Internacional de Moscou e as direitas permanecendo onde estavam, a montar guarda ao cadáver da II Internacional. As organizações sindicais igualmente se cindiram, senão organicamente, ideologicamente: as esquerdas pela ditadura do proletariado e as direitas contra, aquelas constituindo-se em Internacional Sindical Vermelha e estas continuando na Internacional de Amsterdã. (Deixo de parte aqui, por secundário, o dualismo existente, nas esquerdas sindicais, em torno do critério “político” e “a-político” do movimento). Igualmente as agrupações anarquistas se fracionaram: umas por Moscou, outras contra Moscou.Tal, em síntese ligeira, o desenvolvimento da crise mundial do proletariado.Ora, pois que o fenômeno, por sua mesma natureza, é fundamentalmente um fenômeno internacional, não podia o Brasil escapar à crise e seus efeitos. O meio brasileiro é, porém, um meio singular. Nunca houve aqui partidos ou correntes sistemáticas propriamente socialistas. Todo o movimento proletário revolucionário na Brasil tem sofrido só a influência quase exclusiva dos anarquistas. Assim, entre nós, a crise tem sido e é uma crise de anarquismo.Esta crise, latente desde o advento do bolchevismo, chega a um desfecho lógico, com a constituição do Partido Comunista composto, em sua quase totalidade, de elementos de formação anarquista.A celeuma atual nada mais é que a expressão inevitável dessa crise.É por isso mesmo, saudável, revigoradora, fecundíssima. É necessário que os campos se definam e se delimitem nitidamente. Só assim poderemos viver, uns e outros. A confusão é que é entorpecedora, desorientando a uns e outros. Não nos assustemos, pois, com o debate. Mantenhamo-lo e sustentemo-lo, antes, com energia e desassombro. E sobretudo com elevação de vistas, com superioridade de ânimo, com lealdade — coisas que não excluem, ao contrário: dignificam, a veemência, o ardor, a paixão.Deixemos, isso sim, os vis processos de intriguelhas e difamações aos eternos incapazes e impotentes, ontem como hoje dignos apenas de desprezo e comiseração...5 - “Viva a Rússia dos Sovietes” (Movimento Comunista , nº 5, maio de 1922).As circunstâncias extraordinárias em que transcorre o Primeiro de Maio deste ano imprimem à data de hoje uma importância excepcional para o movimento proletário mundial. As demonstrações deste Primeiro de Maio não se devem limitar aos costumeiros brados de protesto e revolta contra a exploração capitalista. Nem tampouco devem circunscrever-se, em suas ordens do dia, ao reclamo de reivindicações imediatas de natureza local.O ítem culminante nas moções dos comícios de hoje, em todos os países, deve ser este: a afirmação da mais alta e mais ativa solidariedade internacional dos trabalhadores com a Rússia dos sovietes. É necessário que o capitalismo sinta, nesta data por excelência proletária, que os trabalhadores do mundo se acham de corpo e alma ao lado dos operários e camponeses da Rússia, heróicos batedores da revolução mundial.Uma tal demonstração de solidariedade em prol da Rússia sovietista constitui, a bem dizer, um mínimo do que lhe deve o proletariado internacional. Só, isolada, bloqueada, guerreada por todos os lados, a Rússia proletária tem sabido defender e sustentar a bandeira vermelha do trabalhoà custa dos maiores e mais pesados sacrifícios. A revolução na Rússia não é uma revolução nacional, mas o início da revolução mundial. Os trabalhadores russos sofrem e morrem, por conseqüência, não apenas por si sós, mas também pela família obreira do mundo inteiro. Manifestar-lhes os mais fraternais sentimentos de solidariedade, neste grande dia, é pois o mínimo do que a eles se deve. Eles têm feito pelos trabalhadores da terra — tudo; que os trabalhadores da terra façam por eles hoje, pelo menos esse pouco — uma palavra de apoio e fraternidade.Obrigados pela trágica e imperiosa necessidade, os Soviets se defrontam, neste momento, com os Estados capitalistas, procurando estabelecer, com os mesmos, um acordo momentâneo — até que esses Estados tenham sido batidos pelos respectivos proletariados — acordo de onde possam retirar as maiores possibilidades de vida, e, conseqüentemente, mais seguras possibilidades de triunfo final. Ora, é evidente que as vantagens do acordo a ultimar-se em Gênova serão tanto maiores, para os russos, quanto mais for a pressão proletária, exercida dentro de cada país, a favor dos sovietes. Assim, neste Primeiro de Maio deve tal pressão assumir o caráter de uma grandiosa manifestação internacional de solidariedade pró-Rússia, fazendo reboar pelos quatro cantos do mundo o clamor das classes operárias, uníssono e poderoso: viva a Rússia dos sovietes! Porque este grito: viva a Rússia dos sovietes!, eqüivale por sua repercussão e por sua significação a este outro: viva a revolução mundial!6 - “1917 — 7 de novembro — 1922” (Movimento Comunista, I nº 12, p. 315-16, novembro de 1922).Não só com um entusiasmo jubiloso e cordial nós comemoramos o quinto aniversário da Revolução Russa. O 7 de Novembro tem para nós uma significação mais alta e mais solene que a de um simples aniversário grato ao nosso coração. O 7 de Novembro de 1917 abriu ao mundo um novo ciclo histórico, marcando o início da era comunista. O heróico proletariado russo triunfante não realizou apenas a “sua” revolução. A revolução vitoriosa na Rússia não quer dizer: vitória de uma revolução “nacional”, mas sim, vitória, no setor russo, da revolução proletária internacional. E só em seu sentido internacional pode ser a Revolução Russa devidamente e amplamente compreendida. Seus aspectos e características nacionais são por natureza secundários. Seu internacionalismo, porém, é básico, fundamental, decisivo. Daí, que seu triunfo completo e definitivo esteja condicionado ao triunfo mundial da revolução proletária.A frente da guerra social estende-se por todos os países, por todos os continentes, de pólo a pólo, de meridiano a meridiano. Em guerra aberta ou latente, de forma aguda ou ainda atenuada, sangrenta ou não, a luta entre a classe explorada e a classe exploradora, entre o proletariado e a burguesia, entre o comunismo e o capitalismo se generaliza, por todo o mundo, numa imensa batalha de vida e de morte.O que tem sido essa batalha, no setor russo, nestes cinco anos de revolução, está na consciência, esclarecida ou instintiva, dos proletários de todo o mundo. É uma epopéia de martírio e de glória, escrita a sangue, com o aço da espada e da pena, da foice e do martelo, através de sofrimentos sem conta, sacrifícios sem limite, heroísmos sem termo de comparação. Contra mil inimigos externos e internos, contra os traidores e os pusilânimes, tem o proletariado russo sustentado galhardamente a bandeira vermelha, pendão de guerra do proletariado mundial. Sustentando-a triunfante, em seus punhos de ferro, torturado embora de fome e de miséria, ele sustenta e assegura o triunfo, que há de soar, por fim, inevitável, da revolução proletária internacional. Ele forma a vanguarda indômita e indomável dos exércitos revolucionários do Trabalho em guerra contra os exércitos mercenários do Capital.Saibamos nós, nesta hora de comemoração jubilosa, concentrar nossa vontade e toda nossa energia, sem desfalecimentos, no sentido de formarmos, no setor brasileiro, legiões batalhadoras capazes de secundar dignamente os heróicos companheiros de todo o mundo, sob o comando supremo da Internacional Comunista.Notas:(1) Toda essa documentação encontra-se no Arquivo Histórico do Movimento Operário (Asmob), do Instituto Astrojildo Pereira, anexo ao Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Unesp, S.Paulo. (2) Este comentário foi escrito em 25 de novembro de 1917. Depois disso, como se tem visto, a opinião, pelo menos de alguns jornais, tem se modificado muito... (3) Oeuvres, V, p. 58-59. (4) A Luta, jornal burguês de Lisboa, estampou os seguintes dados biográficos sobre Lenin: “A autocracia, talvez por instinto, descobriu um ‘inimigo terrível’ na pessoa de Lenin, quando ele não contava mais de 17 anos de idade. Expulsou-o em 1867 (?) da Universidade de Kazan, com privação do direito de admissão em qualquer outra universidade, pelo motivo de seu irmão ter sido executado como prisioneiro político. Lenin — cujo verdadeiro nome é Oulianow — consagrou-se muito cedo ao estudo do desenvolvimento econômico da Rússia, e muito jovem ainda, tornou-se um perigoso discípulo de Karl Marx. Escreveu muitos folhetos e livros; mas a sua principal obra é um grosso volume intitulado "A evolução do capitalismo na Russia", editado em 1881 com o pseudônimo V. Iline; trabalho sobretudo acadêmico, cheio de números, todo ele apoiado em estatísticas. Mas a atividade de Lenin não se limita à de economista sábio, e, atraído pelo movimento revolucionário, condenam-no a 4 anos de deportação na Sibéria. De regresso destas paragens, passou ao estrangeiro e fez-se chefe ativo da social-democracia russa...” (Transcrito pelo Cosmopolita, de 15 de janeiro). (5) (5) De 11 de novembro. Este comentário, escrito a 18, foi enviado, em forma de carta, ao Imparcial. Naturalmente, a ilustre redação jogou-o na cesta dos papéis inúteis... (6) (6) Jornais houve que tomavam os “maximalistas” como partidários de Máxim Gorki. Para o bestunto de tais jornalistas, “maximalistas” só podia derivar de “Maximo”... Gorki! (7) Esta nota foi escrita a 9 de dezembro e enviada a todos os jornais. Somente o Jornal do Brasil fez-me o favor de publica-la na íntegra, na sua edição de 22 de dezembro. (8) De 15 de janeiro último. (9) Por exemplo:... “tenha-se vista que a Rússia não é uma nação, mas um grupo de nações. Os seus cento e quarenta milhões de habitantes falam oitenta línguas diferentes”. D. A. Bullard, Vers la Russie Libre, trad. francesa de Aristide Pratelle, Paris, 1908. (10) De 25 de janeiro. Já escrito este comentário, publicou O Imparcial (de 2 de fevereiro) um artigo de fundo, “O mundo marcha”, em que há afirmações destas: “As notícias que nos chegam da Europa denunciam, no domínio das idéias (e principalmente dos fatos, digo eu), uma revolução como nunca se verificou igual na história da humanidade”:... “atualmente é a vontade dos povos que começa a prevalecer contra os planos dos seus dirigentes”... “Na vasta Rússia o trabalhador é já senhor absoluto”...”Atravessamos um período de realizações grandiosas”. Dum modo geral, a atitude da imprensa tem mudado muito, de novembro para cá, e essa mudança acentua-se dia a dia, num sentido vai-não-vai favorável à revolução, desdizendo-se das crispantes imbecilidades e maldades anteriores... Que remédio! (11) Os socialistas e anarquistas estão fartissímos de saber que a verdade histórica mostra precisamente o contrário. Já em 1870, há meio século, Bakunin escrevia isto: “A história nos prova que jamais as nações se sentiram tão poderosas no exterior como nos momentos de mais profundas agitações e perturbações no interior”... (12) Ecco!... O que os capitalistas proprietários de A Razão não podem admitir é a supressão do sagrado direito de propriedade... Naturalmente! (13) Que a plebe agradeça a amabilidade e tome nota, para quando tiver de dar o troco, no dia do ajuste de contas... (14) Que profunda concepção sociológica! (15) Isso não tem sentido. O escriba queria naturalmente escrever Alemanha e saiu Rússia... Estaria bêbado? (16) Os maximalistas não se apoderaram de Rússia nenhuma. Eles são a grande e absoluta maioria do povo russo, unico senhor verdadeiro e natural da Rússia. Kerenski e o seu bando é que se tinham apoderado indevidamente da Rússia: o que os maximalistas fizeram foi nem mais nem menos que os “desapoderar”... E o fizeram muito bem feito. (17) Eis o resultado da infâmia: a Alemanha e a Aústria desmanteladas pela revolução interna, provocada e incentivada pelos maximalistas. É necessário frisar bem isto: em três anos e meio, os aliados, com as suas prosápias e fanfarronadas paroleiras, nada mais conseguiram senão reforçar cada vez mais o poder do kaiserismo. Claro: à voz de “esmagar a Alemanha”, todo o povo alemão cerrava fileiras em torno do governo, fazendo-o mais forte que nunca. Os maximalistas, em duas semanas, com as suas propostas de paz e com a sua propaganda revolucionária abriram brecha na muralha militarista germânica, semearam a discordia interna nos Impérios centrais, provocaram a revolução. Jamais esteve tão abalado e tão fraco o poder do kaiser, como depois que os maximalistas lhe propuseram a paz... Estes são os fatos positivos e concretos, que podem escapar às vistas curtas do folicurário de A Razão, mas que aí estão na consciência de todos, comprovadíssimos. (18) O “colosso moscovita” que jurou fidelidade aos aliados foi o “colosso” dominado e manietado por Nicolau II e depois por Kerenski, não o “colosso” liberto de agora. Este nada tem que ver com os contratos firmados pelos despótas que o oprimiam. Astrojildo Pereira Duarte Silva (1890-1965) iniciou a militância política em organizações operárias anarquistas. Em 1913 promoveu o II Congresso Operário Brasileiro. Em 1918 participou de um frustrada insurreição anarquista, foi preso sendo solto no ano seguinte. Em 1922 participou da fundação do Partido Comunista do Brasil - PCB, sendo eleito Secretário Geral do partido. Em 1927 representando o PCB entrou em contato com Luiz Carlos Prestes então exilado na Bolívia, ocasião em que passou ao mesmo farta literatura marxista. Em 1928, durante o VI Congresso da Internacional Comunista, foi eleito para o seu Comitê Executivo. Viveu na Rússia entre 1929 e 1930, retornou ao Brasil com a missão de "proletarizar" o PCB. Em novembro de 1930 foi afastado da Secretaria Geral do Partido. Em 1931 pediu desfiliação do PCB e passou a dedicar-se aos negócios particulares e à profissão de jornalista (crítico literário). Retornou ao PCB em 1945 passando a colaborar com as publicações do Partido. Após o golpe militar de 1964, foi preso por 3 meses.Fonte: Revista Crítica Marxista (Arquivo Marxista na Internet)